segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Gestão do lixo melhora, mas coleta seletiva é incipiente



Notícia interessante publicada no Valor Econômico, em 3/11. Boa leitura!

Sul e Sudeste são as regiões do país com as melhores práticas de destinação final do lixo domiciliar coletado. No ano passado, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro depositaram 68,8% das 24,9 milhões de toneladas de dejetos que foram produzidos nas casas brasileiras em aterros sanitários devidamente impermeabilizados e equipados com sistemas de proteção ambiental e à saúde, enquanto os 31,2% restantes acabaram em lixões a céu aberto e aterros controlados - terrenos sem condições técnicas para o depósito de resíduos sólidos. No Sul, 67,4% dos detritos recolhidos tiveram descarte considerado adequado e 32,6%, inadequado.

Aumento de investimentos de prefeituras e empresas do setor e controle mais rígido por parte de agentes ambientais e da sociedade permitiram o desempenho, embora a existência de lixões seja considerada "extremamente crítica" pelo estudo "Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2008", da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos (Abrelpe). "São fantasmas que continuam assombrando, pela degradação do meio ambiente, do solo, das águas e pelo risco à saúde da população", diz Carlos Silva Filho, diretor da entidade.

No Estado de São Paulo, por exemplo, a Cetesb, fiscal ambiental do governo, informa que as áreas consideradas adequadas para o depósito de lixo aumentaram de 10% para 84% em dez anos graças a ações de controle. Com mais de 7 milhões de toneladas de lixo coletadas no ano passado - 15% do total do país -, as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro gastaram no ano passado, respectivamente, 4,2% e 6,9% de seus orçamentos com programas de limpeza pública. Nestas duas cidades, apesar do volume expressivo de recursos gastos e da quase ausência de lixões a céu aberto, a gestão dos dejetos têm exigido novas soluções e elevado custos sem conseguir desenvolver uma taxa expressiva de coleta seletiva.

Nas duas capitais, os aterros sanitários mais acessíveis estão com os dias contados no médio prazo e as cidades devem gastar mais recursos para transportar os resíduos sólidos para descarte em pontos cada vez mais extremos e até fora do limite dos municípios. Hoje, dia 3, a capital paulista perde mais um terreno usado adequadamente como depósito de lixo. Após 17 anos recebendo diariamente de 6 mil a 7 mil toneladas de dejetos, o aterro São João passa a ser mais uma área de revitalização. Atualmente, parte do lixo coletado na cidade fica depositado perto de Guarulhos, e parte em Caieiras.

Enquanto fica sem espaço para descartar seu lixo, a cidade não consegue estabelecer um plano efetivo de coleta seletiva. O estudo "Diagnóstico do Manejo dos Resíduos Sólidos Urbanos 2007", divulgado no fim do mês passado pelo Ministério das Cidades, mostra que São Paulo tem taxa de coleta seletiva de apenas 0,78% sobre as 3,822 milhões de toneladas de lixo recolhidas no município. A situação do Rio de Janeiro é pior: 0,38%, bem abaixo da média das capitais apurada pelo Valor, de 2,04%. Os melhores desempenhos entre as capitais vêm de Porto Alegre (4,05%), Curitiba (2,5%) e Florianópolis 1,4%). A referência nacional em coleta seletiva está em Londrina, cidade paranaense de 520 mil habitantes, que utiliza apenas catadores de materiais recicláveis na coleta e atinge um índice de 23,1%.

Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Municipal de Serviços de São Paulo procurou destacar avanços na reciclagem. "Em 2003 foram recolhidas 5.279 toneladas de material reciclável, já em 2008 foram 40.919 mil toneladas, número oito vezes maior." A pasta responsável pela limpeza pública argumenta ainda que se for considerado que do total de lixo recolhido em uma cidade apenas 20% pode ser reciclado, a taxa de São Paulo já está em 7%.

Ricardo Acar, presidente da EcoUrbis, uma das concessionárias dos serviços de coleta, transporte e destinação final do lixo em São Paulo, conta que os avanços foram conquistados a custos altos. "Coleta seletiva é uma questão ambientalmente correta, mas custa muito caro para as empresas do setor e à própria prefeitura, que paga pelo serviço", opina Acar. O executivo explica o raciocínio com uma conta na ponta da língua: "Um caminhão tripulado com um motorista e três coletores faz três viagens num turno, produzindo 13 toneladas de lixo em cada viagem. Na coleta seletiva, o mesmo veículo vem cheio, mas com apenas duas toneladas no máximo em cada viagem, porque o lixo reciclável tem baixa densidade. O serviço sai oito vezes mais caro", observa.

Dez dos 180 caminhões da EcoUrbis são usados para levar o lixo reciclável para as centrais de triagem da prefeitura. Segundo Acar, o número é suficiente. "Trata-se de um serviço de formiguinha, que deve começar com o próprio munícipe, que deveria levar o lixo nos postos de coleta. Há locais em que a gente roda, roda com o caminhão e não tem nada para coletar. A cada dez caminhões, eu coleto 1% do peso total da minha operação. Precisaria ter 500 caminhões para fazer 100% da coleta seletiva. É muito caro", calcula.

A EcoUrbis recolhe diariamente 6,2 mil toneladas de lixo de 1,6 milhão de domicílios das zonas sul e leste por um contrato de concessão de R$ 24,6 milhões por mês. A Loga é a outra concessionária que atua na capital paulista, cobrindo as zonas norte, oeste e central. Na prática, a coleta regular das duas empresas é feita todos os dias. Os resíduos são levados para estações de transbordo para, em seguida, serem encaminhados, em carretas, para os aterros sanitários, administrados pelas mesmas companhias. Já a coleta seletiva ocorre uma vez por semana em horários alternativos e não atende 100% dos domicílios. Grande parte da população desconhece o serviço. O lixo seco é entregue em galpões espalhados pela cidade onde passa por separação e é vendido por catadores de material reciclável cadastrados na prefeitura.

No Rio, a presidente da empresa de limpeza pública Comlurb, Angela Fonti, revela que a cidade tem um novo planejamento estratégico para a limpeza pública. "O prefeito Eduardo Paes tem carinho pelo setor. Ele costuma dizer que, se não fosse prefeito, gostaria de ser presidente da Comlurb", brinca, complementando que a cobertura da coleta seletiva na cidade vai ser ampliada, até o fim de 2012, dos atuais 41 bairros para 100 bairros, dos 130 distritos do Rio. "Hoje fazemos coleta uma vez por semana; a partir de março do ano que vem vamos mudar para dois dias."

Para concretizar as medidas, diz Angela, está previsto o aumento de recursos - inclusive uma linha de R$ 225 milhões do BNDES para a construção de galpões de cooperativas de catadores de material reciclável, confirmada ontem pelo presidente Lula - para a compra de novos caminhões e investimentos em educação ambiental.

O diretor do Ministério do Meio Ambiente (MMA) Silvano Silvério lembra que o país está longe de alcançar, até 2020, a meta de 20% de reciclagem prevista no Plano Nacional sobre Mudança do Clima do governo federal, de setembro do ano passado. "O Estado precisa apoiar o trabalho de cooperativas de catadores e promover maior articulação do setor público, possibilitando trabalhos entre as esferas de governo. Na área privada, as empresas devem ser corresponsáveis por toda a cadeia do lixo, da reutilização e reciclagem à destinação final adequada", afirma Silvério. As medidas fazem parte da Política Nacional de Resíduos Sólidos, encaminhada ao Congresso em 2007 por iniciativa do Executivo, após 16 anos no Congresso.

Além dos desafios da coleta seletiva e reciclagem, São Paulo, Rio e outras grandes cidades do país estão envolvidas em discussões sobre como atenuar a saturação dos aterros sanitários. Nos últimos dois anos, o lixo que deveria ser depositado no São João já vinha sendo redirecionado pela EcoUrbis para outro aterro na divisa com Guarulhos. O aterro operado pela Loga fica mais longe, em Caieiras, fronteira com a capital. A prefeitura esperar abrir outra unidade ao lado do São João até 2010. Enquanto isso não acontece, Acar contabiliza o prejuízo. "Perdemos R$ 4,5 milhões por mês em logística e transporte para levar os resíduos para um aterro mais distante."

Os três aterros sanitários usados pelo serviço de limpeza pública do Rio estão localizados em cidades vizinhas e o principal deles, Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, que recebe 71% das 9 mil toneladas de detritos produzidos diariamente na cidade, está condenado à desativação por oferecer riscos de contaminação do solo e dos lençóis freáticos. O especialista Rachid Saad, do Instituto Riyadh, complementa: "Há também perigo de acidentes aéreos porque o lixão fica no caminho do aeroporto Tom Jobim, e o número de urubus, garças, gaivotas sobrevoando aquela área é muito grande", diz.

No ano passado, quando era secretário de Meio Ambiente do Estado, o ministro Carlos Minc pediu a interdição do aterro por antever um desastre ambiental. A presidente da Comlurb, Angela Fonti, minimizou as críticas. "Já temos autorização para operar um novo aterro no começo de 2011 em Seropédica, na Baixada Fluminense, e temos parceria com a Infraero para limpar a Baía de Guanabara e evitar ocorrências com pássaros. Sobre o ministro, tenho certeza que a opinião dele é outra hoje", argumentou Angela.

A discussão sobre a condição dos aterros sanitários chegou nas empresas, que veem no aproveitamento do excesso de lixo nesses terrenos uma oportunidade de faturar com geração de energia, com a criação de usinas de biogás ou incineração nos aterros.

"O lixo depositado em aterros libera metano, gás com conteúdo energético que pode ser capturado para geração de energia elétrica ou vapor para indústrias. O processo também vale para a comercialização de créditos de carbono", explica Mônica Rodrigues de Souza, especialista em energia térmica e fontes alternativas da consultoria Andrade&Canellas, contratada pelo governo do Estado de São Paulo para elaborar estudo de viabilidade econômico-financeira para a instalação de usinas de queima de lixo. O resultado do trabalho será apresentado em março e será usado para a criação de um marco regulatório do setor.

Interessadas no negócio, Petrobras e Sabesp estudam o tema. Além do marco regulatório, o engenheiro Virgílio Morais, do centro de pesquisas da estatal, cobra incentivos tributários. "Há interesse em participar de produção energética que possa dar retorno econômico ao nosso negócio, mas os custos de construção, operação e venda de energia ainda são muito altos. Saí muito mais barato descartar o lixo em aterros ou lixões."

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